Olá amigos do Blog. Estava em Truk Lagoon, Micronésia. Todos vocês sabem que esse arquipélago foi uma poderosa base japonesa durante a II Guerra Mundial, sendo bombardeada à extinção pelos americanos em 17 Fev 44. Muitos navios e aviões foram para o fundo da laguna e, atualmente, Truk é a capital mundial dos naufrágios.
A manhã tinha sido proveitosa pois havíamos mergulhado em um
torpedeiro Nakajima B6N Tenzan “Jill” e no submarino I-169. A tarde fomos
explorar o naufrágio do Yamagiri Maru, um belo paquete misto com 6.438 t de
deslocamento e medindo 134 m de proa a popa. Quando do ataque, o infeliz
Yamagiri foi metralhado e recebeu 2 bombas, afundando de popa, envolto em
prodigiosa coluna de fumaça negra. Doze
tripulantes pereceram com o navio.
Alcançamos o paquete deitado sobre o costado de bombordo, a
30 m de profundidade. Comigo estavam os
dois guias, o inglês Patrick, e o meu dupla, o português Luis Mota. Havia muita
vida no ferro, um festival de gorgônias, conchas zig-zag, esponjas, corais
vermelhos, brancos e azuis.
Penetramos o porão nº 5. Era enorme! Escuro! Havia uma pilha
desordenada de colossais granadas de artilharia naval, calibre 356 mm, munição
empregada pelos canhões dos encouraçados da classe Kongo. Sinalizei ao guia
Tomo (havia apelidado ele de Dança-com-Lobos e o apelido tinha colado). Na
véspera, ele tinha me dito que existiam nos naufrágios muitos restos humanos.
Ah, que Truk era um imenso cemitério de
guerra e cada naufrágio, uma sepultura submarina. Eu até então não tinha visto
nada. Por sinais, o guia falou:
-- Néster, vem comigo que vou te mostrar uma coisa. Respondi
ok e penetramos o casario do navio. Nadamos os dois por um labirinto, onde
pairava uma tênue névoa amarronzada, de meter medo. Maldição! Minha curiosidade terminou
rapidamente e, em seguida foi a coragem que vazou. Pelo caminho fomos
envolvidos por uma escuridão tão intensa que quase se podia cortá-la à faca. Já
o meu ânimo, há muito tinha sido roubado. Com o canto do olho reparei que a luz
mortiça, minha referência, que indicava a escotilha por onde tínhamos entrado,
estava sumindo; um calafrio. Senti que estávamos no coração sombrio do Yamagiri
e já não sabia como voltar sozinho.
Mesmo assim, apesar da preocupação, continuamos avançando. No teto
negro, entre franjas de vegetação marinha apodrecida, vi um bolsão de ar aprisionado, sinal da
passagem de outros mergulhadores. Sensação ruim de pensar que a minha vida
dependia de outra pessoa. Penetramos então em um outro compartimento onde havia
uma massa inextricável de ferros torcidos, cabos e enroscos, parcialmente
iluminados pela lanterna do guia. Cheguei a sentir na boca o gosto de ferrugem
e água salgada. Dança-com-Lobos então focou alguma coisa engastada entre os
ferros do teto.
Por Cristo! Era uma
caveira e alguns ossos! Ela era marrom, ferrugenta, as órbitas estavam
preenchidas com um lodo negro. Quem seria? Pobrezinho. Talvez este marinheiro
tivesse sido colhido pela morte ao cumprir uma ordem, ao fechar alguma
escotilha ou ao socorrer um camarada. Ali estava toda a indecência da guerra, o
seu desperdício e sua inutilidade.
Pensei muito neste fato quando nadamos de volta à superfície.
Dança-com-Lobos, à frente, parecendo divertir-se, enquanto eu, meio
embasbacado, olhava as pontas dos dedos, brancas, como se não houvesse uma gota
de sangue nelas. Que história!
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